Misturar ração com comida fresca é uma boa ideia?

Definitivamente não.

Funciona, no entanto? Do ponto de vista nutricional, não funciona. Entretanto, a mistura traz novos cheiros e variedade ao prato, tornando-o atrativo e é por isso, acredito, que esse hábito de misturar a ração com a comida fresca virou “moda”.

Mais comum do que se imagina é encontrar uma tigela cheia de ração misturada com cenouras ou outros vegetais e até mesmo carne moída. Eu vejo isso com frequência, assim como também me deparo com tigelas cheias de comida enlatada e ração misturadas.

Normalmente, isso acontece quando o dono serve a comida antes de sair e o cão, sem companhia, acaba não tendo interesse pela massaroca. Ele ignora o alimento que fica estragando ao ar livre à mercê das bactérias.

O que acontece dentro da barriga do seu amigão quando você prepara o prato dele dessa forma?

A digestão é uma atividade complexa, que requer esforço, e apesar de não parecer, muita energia. Cerca de 80% de toda atividade celular está voltada para a digestão, e é por isso que boa parte da imunidade, cerca de 60%, é o reflexo do que acontece dentro dos intestinos.

Mas, o que isso quer dizer?

Quer dizer que cães bem alimentados são mais saudáveis. Um pouco óbvio, mas nem sempre tão claro, porque o que é boa alimentação para um, nem sempre é o mesmo para outro, então, vamos nos pautar na ciência.

Tudo começa na boca.

Seu cão recebe o alimento, abre e fecha a madíbula duas, três, quatro vezes e engole o pedaço de comida. É assim mesmo, uma vez que ele não tem o movimento lateral como nós temos e, portanto, não mastiga. Esse movimento natural da anatomia dos carnívoros não contribui para a pré-formação do bolo alimentar na boca, o que implica em nenhuma enzima (ou quase nenhuma) misturada a esse pedaço de alimento que desceu pelo esôfago até chegar no estômago, onde a digestão vai, de fato, acontecer.

Quando o alimento chega no estômago, ele recebe um banho de ácido clorídrico e enzimas que iniciam a digestão das proteínas. O pH neste ambiente é bem ácido (idealmente 1 – 1.5), necessário para iniciar a digestão. As paredes do estômago são protegidas por bicarbonato que é também liberado quando o alimento chega. Viu só? Tudo isso acontecendo na maior velocidade e sem que a gente sequer perceba!

Antes desse alimento sair em direção ao intestino delgado, ele precisa estar acidificado e bem misturado, do contrário, não vai formar um bom bolo alimentar e seus nutrientes serão mal aproveitados.

Para garantir esse bolo alimentar perfeito, a natureza colocou uma válvula na saída do estômago, lá pertinho tem também uma espécie de sensor que checa o pH e somente abre as “porteiras” se tudo estiver de acordo. Quer dizer, deveria ser assim, a válvula deveria abrir somente quando o pH está de acordo com o esperado para que o bolo alimentar possa continuar sua digestão nos intestinos.

Numa digestão saudável, o bolo alimentar está com a acidez necessária e é “liberado”, entrando no intestino delgado onde logo recebe outro banho de bicarbonato e mais enzimas produzidas pelo pâncreas, além da bile, a substância fabricada pelo fígado que vai ajudar a emulsificar as gorduras.

É nessa fase, no intestino delgado, que a digestão das gorduras e carboidratos de fato se inicia.

O tempo de trânsito do alimento no estômago até o intestino delgado depende, portanto, do alimento que foi ingerido. Alguns autores defendem que o alimento pode ficar no estômago por seis a oito horas.

Você sabia que a digestão humana completa (desde a boca até a saída) deveria seguir o curso de 12 a 14 horas? No nosso caso, manter um alimento em “processamento” no estômago por mais de quatro horas causa um problemão, o mais conhecido deles é o refluxo, mas vamos voltar aos cães.

A meu ver, tudo depende do material (ou da comida) que está lá dentro. É o combustível que tem que contar na hora de avaliar o desempenho da máquina, correto?

Pois bem, vamos pensar no estômago como a peça chave dessa máquina, afinal é lá que tudo começa, ou seria no prato?

O cão Alpha comeu carne fresca e um pedaço de brócolis.

A carne foi engolida, chegou no estômago, recebeu enzimas e ácidos, emulsificou e formou um bolo alimentar exemplar. O pedaço de brócoli conseguiu se juntar a mistura com facilidade, afinal não era tão grande para causar qualquer desequilíbrio no pH. Em menos de 3 horas esse bolo alimentar foi liberado. No intestino delgado recebeu mais substâncias, que ajudaram na absorção da parte gordurosa da carne e processaram um pouco mais aquele brócolis. Mais tarde, a matéria que não foi aproveitada pelo organismo chegou no intestino grosso, onde moram trilhões de bactérias boas e algumas nem tão boas, mas que juntas e em equilíbrio, fazem um trabalho maravilhoso no final do processo digestivo, algumas delas produzem vitaminas, outras enzimas e por aí vai. Aquilo que as bactérias da flora intestinal não aproveitaram vai sair em forma de fezes. Geralmente, essas fezes são firmes, sem muco, sem muito cheiro e pequenas, afinal o alimento foi bem aproveitado.

Um parêntese aqui: fezes firmes são extremamente importantes porque elas estimulam as glândulas anais durante suas passagens, esvaziando-as naturalmente.

O cão Beta comeu carne cozida no vapor com cenouras e um pouco de arroz misturados na ração seca.

Tudo isso foi engolido, chegou no estômago. Lembra que o estômago inicia a digestão da proteína? O que acontece com os outros grupos alimentares?

Bem, os outros grupos recebem o banho de ácido e enzimas. O corpo espera para que se emulsifiquem. Se nada acontece, o corpo fica tentando por horas. Nesse caso, não vai acontecer porque esses alimentos não são favorecidos pela enzima protease, que inicia a transformação das proteínas em aminoácidos no estômago. E agora?

Agora, a vávula de liberação do estômago para o intestino está fechada, a comida parada lá no estômago começa a fermentar. Alguns cães começam até a arrotar. Se nesse período crítico de digestão o cão recebe mais comida, até mesmo na forma de petisco, uma série de reações bioquímicas começam a acontecer e o válvula acaba abrindo mesmo com o bolo alimentar mal preparado para absorção. Um bolo mal feito causa um estrago no intestino delgado, onde pâncreas e fígado ficam sobrecarregados tentando fazer o trabalho do estômago. O bolo desce e lá no intestino grosso, que maravilha, as bactérias fazem a festa! Tanto tempo nesse processo, digamos 12 horas, metade do que chegou no intestino grosso já está putrefado, o alimento perfeito para as bactérias ruins, que tomam conta do bolo alimentar, se multiplicam e não deixam as bactérias boas fazerem uso da matéria que deveria ser aproveitada para absorção de nutrientes essenciais, entre eles a vitamina B12. Sem a atividade desses microorganismos do bem, nem mesmo a água é bem absorvida pelas paredes dos intestinos e ela acaba formando fezes mais amolecidas e com muco.

Sobre o muco: o muco só se forma de restos. Ele é geramente o meio pelo qual muitos microorganismos se transportam para fora do sistema digestório.

Sobre as enzimas: o papel das enzimas é digerir a comida que foi ingerida naquele momento. O corpo não as produz deliberadamente. Clique aqui para saber mais sobre enzimas.

O cão Gama come ração seca com ração úmida, o cão Omega come apenas carne misturada à ração e por aí vai… Todos esses exemplos trazem comidas processadas na mistura, comidas cujas estruturas moleculares estão deturpadas.

Sem dúvida, esses cães levarão mais tempo digerindo o alimento processado, gerando uma sobrecarga para o sistema digestivo, em outras palavras, causando estresse.

Muitas doenças estão diretamente ligadas ao estresse ou mal funcionamento do sistema gastro-intestinal.

Se o combustível dita o desempenho da máquina, a comida, nesse caso, diz muito sobre a saúde geral do seu animal de estimação.

Pense bem antes de fazer misturas. O ideal, se você não pode oferecer uma dieta natural todos os dias, é ofertar o alimento in natura distante, pelo menos 3 horas, das refeições principais.

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